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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Cassandra Rios: Eu sou uma lésbica e o medo de uma única verdade

                  Por Marina Hall


            Não, não venho contestar Sigmund Freud. Quem sou eu? Talvez, adicionar, pretensiosamente, em suas lições sobre psicanálise, um adendo breve a respeito da homossexualidade. Ou bastaria dizer: sexualidade.
            É fato que a literatura, como todas as outras formas de expressão e arte escrevem e reescrevem o Complexo de Édipo, tornando-o vivos nos possíveis enredos sociais fictícios (ou não). Lembrando que essa teoria freudiana refere-se ao desejo infantil masculino pela mãe, tornando, inconscientemente, o menino filho espécie de rival do pai. O contrário, segundo o psicanalista, aplica-se à menina, que apaixonada pelo pai quer roubar o lugar da mãe. Porém, e nos casos homossexuais? Bi? Trans? A teoria não se aplica?
            De acordo com Freud, a homossexualidade estaria relacionada com a incapacidade de o ser humano se desprender do próprio corpo, desejando alguém com corpo igual ao seu. Primeiramente, o fato é que nenhum corpo é igual ao outro. Nem o de dois homens, nem o de duas mulheres... Logo, onde estaria o universo infantil dos homossexuais? Infância responsável pelos traumas, valores, descobertas sexuais... Assim como provavelmente a criança heterossexual já aprende sua “função” social (de fêmea/macho, princesa/cavaleiro, ativo/passivo) desde os primeiros contatos com os outros humanos, a criança lésbica, gay, trans, bi também já inicia suas descobertas sexuais, porém que muitas vezes, na maioria, têm as descobertas sexuais propositalmente direcionadas para a heterossexualidade. Quem faz isso? Quem as direciona? Oh! Não me diga que não sabe! Sim! A família, a escola, a religião, as artes, a mídia, as sociedades... Salvo raríssimas exceções.
            Se você não acreditou que uma criança pode ser homossexual e que isso ocorre por natureza, assim como ser hétero, provavelmente é porque na sua infância e vida posterior tudo o que lhe foi apresentado fala de uma única verdade: a língua da família-modelo: homem (chefe) + mulher + filhos = perfeição. Inclusive, agregando a isso os famosíssimos contos de fada (infantis? - Bruno Betthelheim). Como não ficou claro? A princesa (sexo feminino) briga com a bruxa rival (sexo feminino), no fim, resolve seus problemas com auxílio de alguém que ama, um príncipe (sexo masculino) e com ele vive feliz para sempre. Essa é sim uma verdade, doce e poética, mas não pode ser a única!
            É, mas como disse Maria da Glória Azevedo, no posfácio de As guardiãs da magia, de Lucia Facco, a literatura é um bicho que consegue desfazer os nós que se lhes impõem. Como assim? Quer dizer que não adianta forçar o silêncio das pessoas, principalmente das artes, em algum momento a voz silenciada se pronunciará. É o que fez, por exemplo, Cassandra Rios. Silenciada, ignorada e sentenciada ao pornográfico pela crítica canônica, vendeu mais livros que muito best-seller, inclusive o romance Eu sou uma lésbica – que conta a trajetória de uma lésbica apaixonada desde a infância pela vizinha e amiga de sua mãe. Cá está a infância lésbica acrescida às lições de Freud: Narrado em primeira pessoa, Flávia, com 7 anos, vive embaixo da mesa da sala de sua casa, observando as pernas das amigas da mãe; uma das pernas, a de Kênia, a encanta tanto que chega ao ponto de cheirá-la e lambê-la fingindo ser um gatinho sob a toalha. Flávia delira com a presença da moça de sandália colorida e  a deseja como sua – assim como o menino deseja a mãe no Complexo de Édipo. A mãe de Flávia, no entanto, não é desejada com fervor sexual, mas admirada e amada com afeto de filha, sendo comparada constantemente com Kênia. O pai sequer é mencionado. Entretanto, isso não significa que a figura do pai não é importante, apenas não é fortalecida nesse romance.
            Com o desejo ardente por Kênia, a menininha vê como rival o marido da mulher, Eduardo. Pouco tempo depois das primeiras relações carnais das duas amantes secretas (sim, Kênia sede aos desejos da menininha), a mulher se muda para a Itália a fim de curar o câncer de Eduardo, que por sua vez, acaba discretamente assassinado, numa passional pulsão de morte, pela amante de Kênia, que dera a ele sopa com vidro em pó horas antes de partirem para Europa. O crime é revelado somente no fim da narrativa, depois da história da adolescência lésbica de Flávia, surpreendendo quem lê pela atitude insuspeita da garotinha de 7 anos. O que quero dizer com isso? Não! Não é um incentivo para que mate os seus rivais sexuais! É muito mais simples: desde crianças desejamos nosso “objeto sexual”, seja homem ou mulher e isso existe, ainda que inconscientemente, ainda que tentem reprimir ou desqualificar esse desejo usando teorias de Freud, que aliás, que eu saiba, nunca disse existir uma única verdade; ou qualquer outra ideia, seja religiosa, seja sei lá qual... É sim, bi, lésbicas, trans, gays existem e é desde que existe gente no mundo, por natureza, desde a misteriosa infância e não por desvio, anomalia sexual. Infelizmente, criam distinções sexuais para nos segregar. Tolice! Porque precisamos/dependemos uns dos outros. Não adianta esconder, onde estão os contos de fada que nos façam sentir normais e possíveis na infância, na juventude? Esse é um dos motivos da literatura de Cassandra Rios: ser lida para que não corramos o risco de vivermos sob a voz de uma única verdade.
           
                                                                                           

4 comentários:

Anônimo disse...

Li esse romance e o livro é formato pocket. Passei por apuros ao comprar esse livrinho na livraria. Tive que ser discreta apesar da livraria ser grande e haver esse livro na estande sem precisar pedir para o vendedor, mas ao passar pela caixa para pagar tive que levar uma revistinha do Garfield, mas mesmo assim a capa dispertou atenção de olhares do pessoal da fila, sendo que a mesma atenção que não seria tanto se fosse um outro livro.

anita disse...

Entendo a situação pela qual vc passou.
Várias mulheres se sentiam constrangidas para comprar as publicações da Katita em livrarias de SP (qdo havia um distribuidor).
Assim sendo, mesmo morando em SP, elas preferiam comprar via correio, para receber em envelope lacrado e discreto.
Deduzi que deixar publicações lésbicas (mesmo quadrinhos) na maioria das livrarias, ainda não é um bom negócio.
Decidi então deixar o mínimo possível e em pouquíssimos lugares.

Marina Hall disse...

Não,meninas! Temos mesmo que comprar os livros lésbicos nas livrarias! Só assim,de pouco em pouco,vamos deixar d ser "equisitas"...

anita disse...

É isso aí, Marina!